Crônicas em Joaquim Egidio

Distrito de Joaquim Egidio. Campinas. Estado de São Paulo.

Thursday, November 09, 2006

uma segunda-feira qualquer.

Toda segunda-feira começa muito dificil. Esta exagerou. Coloquei água a cozinhar para passar o café. Automaticamente posicionei o porta filtro sobre o bule. Procurei no local de sempre o filtro de papel. Não havia. Aproveitei para verificar o pó de café. Não havia. O companheiro que não dá a mínima para café, deu cabo de tudo. Resultado? Dei uma banana para o cotidiano e minhas mesmices prazerosas e fui tomar café no bar Central, numa hora em que os comensais já comem torresmos e tomam cachaça. – Jão me veja um café. Disse eu. Da mesma chapa que frita mortadela com queijo e tomate, misto quente, carne queijo acebolado, sairá meu café rerequentado. Feliz? Sim. O mundo afinal é dos resignados. Que não seja. Também o é. Tomei daquilo que em nada se parece com o pior café que tenha feito em toda a minha vida. Preto? Sim. Quente? Sim. Café? Não. Importância? Nenhuma. Antes de mais nada corri para Joaquim Egidio para tirar o lixo que basicamente é de cabeças de camarões e carcaças de peixe, com os quais faço o meu caldo de peixe. Tudo aliás que as moscas adoram. Tirei o lixo da casa e levei à calçada e tomei a condução para Campinas para fazer valer o que havia escrito na lousa da Taberna: Javali à moda do Obelix. Pensava num belo pernil. Sabia onde encontrar. Cheguei. Perguntei. Pernil de Javali? O semblante do Hamilton me disse: hum. Não. Mas tem espinhaço. Hum. Sim disse-lhe. Dei-lhe o cheque. Vou relaxar pensei. Sai pelo mercado. Olhava as frutas invariáveis de estação em estação. Sempre tem tudo do mesmo, ou seja nada. Nossos produtores não arriscam nada. E daí? E você com isso? Sim tem, pensei quando achei que fosse uma pitanga. Nada. Nada mais que a indefectível acerola, que nos cansa com sua presença. Sua acidez, sua concentração de vitamina C, e eu com isso. Para que tanta vitamina? Sabor? Nenhum. Vitamina. Vitamina. Fui tomar um café no Nosso Bar. O Mauricio estava lá. A Rita estava lá. Pedi um café curto. Por vício, nostalgia e por gosto. Um café e um cigarro. O bar é um festival de merchandising, Guinness, ashib, stout, mortadela de avestruz!!!! Perguntei dada a proximidade com o Mauricio. Ele todo solicito trouxe umas três fatias, meio grossas, por culpa de ser início da peça. Eu queria só falar a respeito. Mas também sou dono de bar e sei que sempre busco saciar a curiosidade infinita. E lá vou eu. Meio gole de café tomado. Cigarro aceso. E as três fatias de mortadela de avestruz. Avestruz!! Foi para mim por muito tempo um expressão de espanto. Avestruz!! O Mauricio me olhava com seus pequenos olhos negros. E ai? Traga-me uma água com gás. Disse-lhe. Lavei o sabor do café. Enchi-me de coragem. Dificilmente como qualquer coisa mais sólida que a fumaça do Kamel antes de estar acordado por quatro horas, 200ml de café e um jornal lido. Tomei com os polegar e indicador, posto que outra alternativa não foi oferecida, a fatia de mortadela de avestruz. Ave! Disse. Ave. Sabe a ave. Cheira a ave. Ave no seu estado plumado. Plumas ao redor da cloaca. Ave. E aquilo caminhava pela minha boca. Não cabia na cárie do molar. Não cabia embaixo da lingua. Olhei para o bolso do cigarro. O cigarro estava aceso no cinzeiro. Ave. Pena. Pena de ave molhada. Galinheiro. Puleiro. O Mauricio olhou para a Rita. Fingi que fumava a moda antiga com o cigarro bem no começo da forquilha do indicador e o pai de todos e colhi a mortadela na palma da mão prendendo-a com mindinho e o seu vizinho. Ave. Mortadela de avestruz. Tomei da água com gás. Pedi outro café. As outras fatias permaneciam ali. Um futuro pousa mosca. Logo Mauricio todo muito educado, sutilmente levou-as. Fumei. Tomei café. Recordei com a Rita nosso passado glorioso, na avenida Saudade. Contou sobre mim uma estória, que bem que poderia ser verdade. Não retruquei. Ando a virar folclore em vida. Pedi a conta. Paguei. E quando virava as costas, Mauricio buscou entre suas reservas, como disse ele, uma Guinness.




O javali.

O javali marinava no vinho com temperos desde o meio dia. Sua cor rosada, seu aroma adocicado e sua textura. Tudo isso quando misturado com vinho branco e sálvia me faz recordar da Gália, onde nunca estive, mas isso não é problema, é só desenhar sob os pés a Gália do Obelix e estou na Gália.
Enquanto penso nisso, vou cozendo uns osso do Javali, para um molho. Lembro da Guinness. Desisto dela. Reservo-a para quando o Javali estiver pronto. Douro os pedaços de javali em azeite. Vou adicionando pouco a pouco o caldo da marinada sem os seus legumes, esses adiciono aos ossos em cozimento. As segunda-feiras soe ocorrer coisas inusitadas. Teve uma delas que o Cesinha veio aqui e achou meu fogão tão pobre que me deu 200 pratas para que eu comprasse outro. Resisti e depois aceitei. Não comprei. Às vezes lota de gente. Outras zera. E a tarde vai passando nessa espectativa. O javali vai assando. O caldo engrossando. A casa vai sendo inundada pelo aroma medieval da caça. Cai uma chuva grossa e rápida e do asfalto sob um vapor com cheiro de D.D.T. e terra molhada. O sol esmaece. O pão está assado. A salbitjada pronta para passar no pão, provo, só umas gotinhas a mais de siciliano. As ostras cozidas na sua água para uma sopa à moda do Obelix, com estragão e creme de leite. Escureceu. Preparei um prato para jantar. Abri a Guinness e lembrei do Leopold que gostava de rins de carneiro no café da manhã. Abri-a. Provei um naco tenro de javali. Sorvi um imenso gole Guinnes. Entrou o primeiro comensal. Ele trazia um Trapiche Malbec de 1998. Pediu uma terceira taça e ma ofereceu. Foi chegando gente. Um bico no vinho um gole da Guinnes. Uma manhã. Outra noite. Fechei a porta com saudades.